quinta-feira, 28 de maio de 2009

Comportamento

O corpo sabe

Por Lian Tai

O corpo é a alma à flor da pele. Ele sabe até aquilo que não queremos saber. Aliás, ele sabe sobretudo o que fazemos questão de não saber. De nossos gostos, nossos sentimentos, nossas emoções. Nosso corpo traz a memória de tudo aquilo que nos formou. Com a razão nós tentamos ludibriá-lo, negociando nossas emoções. Pesamos as escolhas com mil argumentos lógicos. O corpo não aceita.

Quando crianças, nossos pais nos fazem comer chuchu, abobrinha. Mesmo a contragosto, comemos. Mas existe aquele alimento que desgostamos até o último fio de cabelo. Os meus eram gordura de carne e salada de maionese. Não havia argumento, ordem ou bronca que me fizesse comê-los. Ia além da minha força de vontade. Se eu tentasse ingeri-los, engasgava. Meu corpo os rejeitava impiedosamente.

Assim o corpo também reage com as pessoas que nos cercam. Às vezes, mesmo não conseguindo encontrar nenhum argumento lógico para não gostarmos de alguém, há aquelas pessoas com quem não nos sentimos bem. Na minha vida, isso já foi motivo de muito sentimento de culpa. Por isso eu me esforçava para gostar das pessoas, listava os motivos, tentava me convencer. Mas, quanto mais eu me esforçava para me convencer de algo que não era verdadeiro, com mais veemência meu corpo rejeitava a ideia, de forma que o cheiro das pessoas em questão tornava-se insuportável, a ponto de eu morrer de enjôo ao sentir seu cheiro, ou mesmo ao passar por alguém com o mesmo perfume.

O inverso também é verdadeiro. O corpo ama o perfume e o tato daqueles que amamos com a alma. Quando nos apaixonamos, o corpo pede, o corpo quer. O contato, o hálito, a pele, o perfume. Mas às vezes acontece de, em algum momento, o corpo não só parar de pedir, mas também repugnar. É quando o sentimento já acabou ou se inverteu, quando o relacionamento já terminou. E, mesmo que não queiramos nos dar conta, o corpo já percebeu.

Essa manifestação tão corporal dos nossos sentimentos não se limita a relacionamentos amorosos, mas envolve todas as nossas relações sociais. Afinal, não é apenas nas paixões que nos relacionamos com o corpo. A diferença é a forma de se lidar com esse corpo em cada tipo de relação. Nas amizades, predomina o contato de carinho e afeto, enquanto nas paixões, predomina o contato sensual, mesmo que não necessariamente sexual. Cada contato é permeado por sensações, que podem transitar entre o desejo e o asco. O nojo é a rejeição última do corpo, a manifestação máxima de seu desagrado.

É curioso como teimamos em não ouvi-lo. Insistimos em nos forçar a lidar com situações que nos deixam desconfortáveis. Mas o mais fantástico é que, havendo uma brecha, o corpo se manifestará. Podemos beijar, abraçar, ir para a cama com alguém que teimamos em querer gostar, tentando enganar com a razão nossos sentimentos mais profundos. Mas não podemos dormir abraçados, pois, adormecida a consciência, o corpo se afasta durante a noite. O corpo tem seu tempo próprio, diferente do da razão. Eu nunca consegui, por exemplo, dormir abraçada a um namorado após uma briga, mesmo que já tivesse feito as pazes. É preciso o tempo do entendimento do corpo, o tempo da aceitação.

A razão engana. O corpo revela. Prestemos atenção, portanto, às verdades que ele tem a nos dizer. Porque o corpo sabe.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Literatura

Viva os 35 graus

Douglas Kawaguchi

O relógio marcava 1h35 da manhã do dia 31 de dezembro. O calor era tanto que se algum termômetro acusasse menos de 35 graus eu julgaria uma brincadeira de mau gosto. Com a janela escancarada e sentado sobre a máquina de lavar eu mordiscava um sanduíche, quando ela apareceu pela primeira vez. Ela, a moradora da janela em frente. Não, não cabe aqui chamá-la moça, mulher, garota ou rapariga, já que nestas condições tudo o que importa é que ela era a moradora-da-janela-em-frente – ainda que não se possa morar numa janela.

Pois ela entrou de repente no quarto, acendendo a luz. Era o último andar do prédio vizinho, a poucos metros de mim e meu pão e, com a janela totalmente aberta, ela cruzou de uma vez meu campo de visão, sem notar minha expressão de susto. Presumo que voltava de uma festa, pelas roupas. Permaneci estarrecido durante aqueles dois ou três segundos que, na película de um filme, durariam muito mais. Recobrada a consciência, num impulso instintivo e intuitivo, voei até o interruptor e apaguei a luz. Esperei, sem agachar ou me esconder numa posição imoral. Pelo contrário: apagado no escuro, eu aguardava confortavelmente, como numa poltrona de cinema. Generosa, ela reapareceu. Somente com as roupas de baixo. O branco da lycra contrastava com a pele morena. A cintura poeticamente delineada dividia em dois o corpo de proporções áureas: nem grande, nem pequeno. Ideal, somente. Sempre de costas, procurou algo na cama, achou e vestiu: um pijama de seda. Amarelo. Mas por cima da lingerie, que falta de cuidados com o conforto! Depois saiu do quarto. Como deixara a luz acesa, julguei que voltaria para o bis.

Creio que logo se arrependera do show deveras tímido porque, um ou dois minutos mais tarde, voltou. Na minha tela widescreen, de costas, tirou o pijama, sem suspense. E depois o sutiã. E depois tudo. Morena (já disse, eu sei). Analisou uma camiseta, levantando-a com os braços. Não, outra. Deixe-me ver... não, também. Tão feminina. Nesse decide-não-decide, ameaçava, mas não virava de frente. De repente virou-se de lado, de perfil. Caprichosamente, seu umbigo tocava a linha esquerda da janela, de modo que os seios se esconderam nos bastidores de um ponto cego. Alguém que a filmasse nua e depois censurasse colocando mosaicos nas partes íntimas não as delinearia com a mesma precisão com que a janela o fez, irônica. Calmamente, virou-se de costas mais uma vez e finalmente vestiu outro pijama, azul. E apagou a luz. Nem foi até a janela para me dizer boa noite. Mas não precisava: é como se o tivesse feito, já que começava aí um longo, longo relacionamento.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Poesia

Manto

Por Otacílio Cesar Monteiro*

Setenta mil sóis em tuas sombras,
Setenta mil luzes pela noite.
Há tanta lua nos teus passos,
Quanto forem os percalços.
Setenta mil rezas brabas
Para desatar os laços,
Setecentas novas trilhas
Desviam das armadilhas,
Setecentos novos traços
A livrar-te de embaraços!

*Otacílio Cesar Monteiro é jornalista, poeta e compositor. Foi premiado em vários concursos literários, tanto de versos como de prosa, além de ter recebido prêmios como letrista em festivais de MPB. Tem mais de dez livros publicados e já vendeu mais de quinze mil exemplares em Limeira e região, realizando intenso trabalho de divulgação através de saraus, sessões de autógrafos e palestras.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Comportamento

Da Vaidade

Por Dani Baleeiro*


É certo que há vaidosos e vaidosas. Alguns com aquele desejo incontrolável pela mais perfeita estética, outros com a ambiciosamente cega sina de querer ter aquilo que pode ou não ter, o importante nesse caso é a posse.

Mas estive analisando um outro tipo de vaidade inerente a todo e qualquer ser humano, animais também. È a necessidade imprescindível de sentir-se amado ou ao menos, bem quisto.

E caminhamos todos, nesse mesmo paradigma de querer pertencer ao universo alheio, de ter a ousadia até de querer ser o sonho de alguém. E persistimos, conquistadores, Don Juans, interesseiros, farseiros, sedutores e muitas vezes atores. Sim, porque nesse momento, o que importa é que alguém, escolhido por nós, nos adore acima de qualquer coisa.

Achamo-nos no direito imprudente de invadir a vida de alguém que nossa imaginação egoisticamente acredita ser o ideal para um companheiro, um namorado, um parceiro. Partimos então para a conquista. E tecendo motivos e oportunidades, vamos plantando um emaranhado de vínculos e afinidades que possam , fatidicamente, tornar-nos interessantes , atraentes e até mesmo indispensáveis na vida de alguém. Até ai, a vaidade é simplista e sutil. O problema é que ela cresce, desaflora ao longo do envolvimento. E de repente, estamos totalmente imersos em nossa falácia de querer manter a nossa totalidade enquanto donos do mundo do outro. E a noção de alteridade se esvai feito orvalho que evapora. Começamos assim,o assassinato de toda chance de permanecermos vivos na vida de quem gostamos, mesmo que somente nas lembranças. Porque somos possessivo- materialistas demais. Queremos não somente habitar o universo do ser amado, queremos ser donos dele, mesmo que inconscientemente. E matamo-nos a nós mesmos acreditando que tal desejo, assim tão inescrupuloso, seja somente amor verdadeiro ou excessivo. A verdade, é que a vaidade ai não é o sentimento em si, é a recompensa meramente pessoal de sentir-se pertencente e proprietário, de saber que somos amados e importantes de algum modo.
O sentimento acaba, o amor acaba, a relação se apaga. Mas a vaidade permanece ali,agora com uma tonalidade mais obscura e tenebrosa, e chama-se orgulho ferido. Da conquista perdida, passamos ao recalque, a impregnação maledicente daquilo que não nos serve mais. Nossa alma hostil segue em desalento. Mas com o tempo vai enchendo-se novamente desta vaidade branca, dessa fome de justificar nossa existência ou saber-se insubstituível.Só não sabemos, pelo menos não de forma consciente, que antes temos que ser importantes para nós mesmos, para a vida que escolhemos ter e transformá-la naquilo que indiretamente venha a proporcionar o bem para todos , ainda que discretamente. A própria consciência de entender todos esses anseios e formas quase primitivas de amar e ser amado é mera vaidade. Vaidade de justificar a nós mesmos,o por quê disso e daquilo, independente de qual postura tomaremos diante de um novo sentimento.

Imbuídos dessa mesma vaidade sentimo-nos capazes de falar sobre a mesma com tamanha autenticidade e soberania que destilamos o veneno sobre nós mesmos e vamos perpetuando essa volúpia maior.

Dani Baleeiro estuda Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense. Atua, também, como tradutora de português-inglês. Sempre envolvida com as artes, dançou ballet clássico, estudou teatro e escreve poemas desde os 14 anos. Publicou seus primeiros versos na Antologia dos Poetas do Brasil -volume 6 em outubro de 2007 no contexto do XV Congresso Nacional de Poesia de Bento Gonçalves-RS. Atualmente, além dos estudos, mantém um blog onde periodicamente publica seus textos, poemas e pensamentos

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Literatura

De um sono

Por Fernanda Cupolillo*

Pôs as mãos para fora da janela antes mesmo que seu corpo estivesse todo desperto, e, como num primeiro bocejo, deixou que seus dedos reconhecessem, entreabertos, o gosto do dia. Um vento frio rodeou sua pele e aninhou-se no pequeno buraco que separava suas mãos. Distanciou um pouco mais os dedos e deixou que o frio desnudasse algumas de suas dobras. Sentindo-os como minúsculas bolas de neve, trouxe as mãos de volta para o calor do quarto, mas logo tornou a jogar a extremidade dos braços para fora da janela. Sua cama sustentava, ao olhá-lo de longe, embevecido com a força oculta e fria que lhe tomava as mãos, a promessa de um apagamento seguro e quente do corpo. Entre cada um dos cobertores que vazavam as quatro margens regulares do móvel, a umidade difusa de sua respiração, alguns pedaços de sonho, e um calor comprido. De longe, ela o olhava, repleta em braços macios e solares, mas ele lhe dava somente a visão das costas, mantendo-se fiel à sua inesperada curiosidade matutina. Crendo inexistir em seu corpo a espécie de força que experimentava na beira da janela, deixou que as imagens ainda muito nítidas de seu sonho de ontem talhassem pelo quarto. Quentes, elas enlaçavam a sola descalça de seus pés e se enroscavam em seus pêlos, mas a sensação do frio experimentada na janela fazia trincar em pétalas de gelo o calor que teimava em subir. Decidiu sair, ameaçado pelas cores manchadas em seu corpo, e, completamente cinza, abriu a porta de seu quarto. Caminhou pelo estreito corredor, destrancou o cadeado e, novamente, ouviu o girar de uma maçaneta. Não houve tempo para pensamentos: bastou uma única fresta se abrir para que o vento alcançasse a nudez mais escura de seu corpo, guardada por baixo de suas muitas camadas de cobertor. Julho, ele pensou, sem mais possibilidade de recuo. Tomado por um fino orvalho, avançou em sua caminhada, deixando que os vestígios de sonho se desprendessem de sua pele: um só sopro do vento bastou para levar as folhas secas. Sentiu ter o peso de uma flor de leão e viu-se passar, entre todas as coisas que o ar arrastava, acima do cimento. Seguiu, tomado por uma sensação completamente desconhecida de frio. Do lado de fora da janela, a imagem da cama ainda quente fazia tremer seu corpo descoberto e lhe empurrava uma vontade de calor, que não demorou a se precipitar num par seco de lágrimas. Julho, ele pensou, descosturando as minúsculas linhas que mantinham seu corpo coeso. O vento prosseguia num acordar de escuros. Revolvia todos os espaços vazios e trazia para fora, em forma de arrepios violentos, seus silêncios dormidos. Estancou os passos, de súbito, quando se viu atado invisivelmente aos objetos do mundo, e buscou em sua lembrança o traçado de seu corpo. Firme. Único. Abraçou sua própria pele, querendo lembrar-se da solidão de seu corpo, mas seu interior estava disperso e embaralhado à montoeira de coisas que as massas de vento carregavam. Não havia mais volta, pensou: Julho. Viu sobre a neve acima do cimento algumas das linhas que antes amarravam seu corpo e tentou segui-las numa tentativa última de rastrear-se pelo inverno, mas Julho se amontoava no interior de seus órgãos e paralisava alguns de seus movimentos. Desejou chorar, e chamar de volta meia dúzia de sonhos; sentir-se amparado por quatro margens regulares de madeira e calor; apagar a sensação crua da dor, a dormência, os arrepios. O frio não deixava dúvida: era um corpo o que ali existia. Sem sossego, sem abraço, sem nada. Só um corpo. Nu, invadido por olhos-de-leão. Nem a memória vinha: ela se dilatou num presente contínuo, sem volta. A verdade do corpo se cravava na pele, imediata e rude: ele queria voltar, mas Julho, dono absoluto de seu corpo, calou também a respiração. De dentro de um cubo de gelo, abandonado em si mesmo, gritou por longas horas, e vidas inteiras. Até o momento em que decidiu afastar do corpo as muitas camadas de cobertor que o revolviam, escorrer pelo lado esquerdo da margem regular de madeira e fechar, de uma só vez, a janela, a paisagem e o frio do mundo do lado de fora.

*Graduada em Comunicação Social, Jornalismo, pela Uff. Mestre em Comunicação, Imagem e Informação pela Uff. Revisora de textos da Casa da Ciência (Botafogo/RJ). Professora de Jornalismo da Unifoa. Co-autora do livro de contos "O ouro lado do sol", publicado em 2008. Já recebeu alguns prêmios em concursos literários, como o Concurso Municipal de Contos da prefeitura de Niterói.

Comportamento

A dieta e o mito

Por Lian Tai

Está presente nos relatos orais de nossa sociedade. Está presente em inúmeras revistas. Está presente em livros de doutores e entendidos. Sempre que falamos em dietas, esse mito, que está tão arraigado em nosso pensamento e em nosso inconsciente coletivo, aparece: O mito de que há uma relação direta entre a comida que comemos e os quilos que engordamos ou deixamos de perder. Talvez essa seja a mais influente mentira já contada na história ocidental. Mas nossa revista em forma de blog, ou de bolha, irá desmistificar em primeira mão essa lenda que tanto nos tem prejudicado.

Tudo começou porque antigamente a comida era escassa. O alimento de que dependíamos era sujeito aos fenômenos naturais, o sol, a chuva, cada qual em seu momento. Vulnerável às pestes e às intempéries. A pouca comida tinha que ser dividida entre todos. Então se inventou que a gula era pecado. Não um pecadinho qualquer, mas um dos sete pecados capitais. Afinal, ser guloso em época de escassez significava tirar a oportunidade de outros se alimentarem e sobreviverem. Assim, criou-se uma associação entre dois fenômenos originalmente distintos: a gula e a culpa.

A culpa é um sentimento autodestrutivo, mas ao mesmo tempo essencial para a preservação humana. É o que nos diferencia dos psicopatas, ao reprimir a repetição de atitudes prejudiciais ou moralmente questionáveis. O problema da culpa é que às vezes ela é direcionada para coisas boas, de forma a acompanhar atitudes benéficas e prazerosas, como o ócio e, como já dissemos, a gula. Nesses casos, a culpa nos angustia e paralisa. E, como tudo o que nos atormenta, faz mal para o corpo, prejudica o metabolismo, altera os hormônios: Culpa engorda.

Como comer gera culpa e a culpa engorda, durante muito tempo se concluiu erroneamente que comer engorda. Mas, após uma longa experiência científica, sendo eu minha própria cobaia, descobrimos que não existe relação direta entre comer e engordar, muito menos quando tratamos de comidas gostosas. O que engorda não é a comida em si, mas o peso na consciência (ao que minha espirituosa amiga respondeu certa vez: “o problema é que minha consciência ocupa o corpo inteiro”). A culpa, que antes era associada à gula devido à escassez de alimentos, passou a ser ressignificada e justificada de uma nova forma: como culpa por engordar. Ou seja, acreditando que comer engorda, as pessoas sentem culpa ao comer e, devido à culpa, acabam engordando de verdade, gerando um círculo vicioso.

Em contrapartida, felicidade emagrece. Quer dizer, felicidade faz bem pro corpo, equilibra-o, provocando o emagrecimento daqueles que precisam emagrecer e a engorda daqueles que precisam engordar. Felicidade direciona o corpo para sua forma e seu peso ideais. Mas, como a maioria das pessoas à procura de dietas (portanto, o público-alvo deste artigo) está acima do peso, em conseqüência da quantidade de peso na consciência consumida, generalizo aqui, ao dizer que felicidade emagrece. Partindo desse pressuposto, chegamos a uma conclusão importante: a comida, por princípio, não só não engorda, mas também emagrece. Afinal, quem não se sente feliz ao tomar um sorvete? Ao comer um churrasco?

O segredo, pois, para perdermos os quilinhos extras e alcançarmos aquele corpo tão desejado é comer, comer com prazer e sem culpa. Portanto aprendamos a ser felizes e nossos corpos responderão. Porque o peso na consciência também pesa na balança.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Comportamento

O relacionamento metalingüístico

Por Lian Tai


Barthes certa vez afirmou que “passada a primeira confissão, ‘eu te amo’ não quer dizer mais nada”. Discordo. E justifico citando a poetisa Elisa Lucinda, para quem essa declaração não se encerra, definitiva, mas é dinâmica e se renova:

“Te amo mais uma vez esta noite
talvez nunca tenha cometido ‘euteamo’

assim tantas seguidas vezes, mal cabendo no fato
e no parco dos dias.
Não importa, importa é a alegria límpida
de poder deslocar o “Eu te amo”
de um único definitivo dia
que parece bastá-lo como juramento
e cuja repetição parece maculá-lo ou duvidá-lo…
Qual nada!”

Se as palavras dão sentido ao mundo, então uma declaração de amor não é apenas a exteriorização de um sentimento que existe e está guardado. É também sua criação. A palavra tem o poder de criar a realidade. A palavra concretiza.

Mas pior do que o relacionamento sem declarações de carinho são aqueles que se baseiam apenas nessas declarações. São aqueles cujo único diálogo é composto por “eu te amo”, “eu te adoro” e “nosso amor isso e aquilo”. São os relacionamentos metalingüísticos.

No relacionamento metalingüístico, não se conversa sobre uma banalidade qualquer em que um dos parceiros tenha pensado, a não ser “estive o tempo todo pensando em você”. Não se conversa sobre planos e sonhos, a não ser “meu plano é passar a vida inteira com você”. Não se discutem teorias, discute o relacionamento. E só há interesse no que o outro faz ou deixa de fazer se for para assegurar que ele não fez nada que comprometa a fidelidade e a eterna devoção ao parceiro. No relacionamento metalingüístico há dois tipos de comunicação: as declarações de amor e as discussões de relacionamento.

O problema é que, por maior que seja o amor, uma pessoa não se alimenta apenas disso. Cada um de nós vive imerso em uma infinidade de bolhas. Tem o trabalho, tem o fato engraçado que aconteceu, tem as dúvidas, o momento de não pensar, o desafio. Mas às vezes a euforia do amor traz consigo a prepotência de querer ser a única bolha, a soberana. E aí o amor se torna cego, ao não querer enxergar o outro em sua multiplicidade. E o parceiro é reduzido de um ser vivente e pensante para um ser apenas amante.

É essencial para o relacionamento que exista companheirismo. Mas, para que haja companheirismo, é necessário que exista um interesse genuíno pelo outro e um querer bem. A partir daí a convivência ganha novas cores, pois é delicioso ter alguém para compartilhar a vida. Alguém pra discutir seriedades e banalidades. Alguém com quem rir e chorar.

Se houver essa alegria em dividir e ter alguém ao lado, aí quem sabe o “eu te amo” pronunciado será quase desnecessário, pois o companheirismo e a cumplicidade falarão por si. Mas, se além de tudo, vier também uma declaração de amor... ah, aí as palavras transbordarão verdade e haverá a certeza de não serem afirmações vazias.